Luis Carlinhos

Luis Carlinhos
 






Sondagem da Terra. Era esse o nome de minha primeira banda, que aos 12 anos formei com o músico Davi Moraes. Os ensaios aconteciam na casa do pai dele, o baiano Moraes Moreira. Nossa estréia foi numa festa de 15 anos da filha do meu dentista. Lembro, na casa do Moraes, eu ao telefone metido a empresário, acertando todos os detalhes para o show, e no final da conversa perguntando: “mas e o lance da grana?” Até hoje quando nos encontramos na padaria da Gávea, bairro do Rio, onde moramos, ele brinca: “mas e o lance da grana?”

Anos depois, aos 18, fui convidado para entrar na banda Dread Lion. Um amigo, guitarrista do grupo, estava de mudança para o Havaí e me indicou como seu substituto. Com a saída do cantor, acabei assumindo os vocais. Voz não tinha quase nenhuma, porém o carisma era evidente. Comecei a estudar canto, violão, harmonia e me arriscar a compor. A primeira delas é aquela que até hoje o meu pai fala: “mas você tem que gravar Amor Jovem”. Confesso que a música é boa, mas é muito adolescente. Volta e meia, antigos fãs da banda perguntam “‘aquela música do amor jovem… você ainda toca?” Pai quase sempre tem razão!

Agora quem ia para o Havaí era eu. Fui visitar o meu irmão Bruno Ewald, hoje conhecido por “Longman”, que na época, em busca de ondas grandes foi morar no Kauai, uma das ilhas do arquipélago. Desconfiava ficar naquele paraiso por mais tempo que o planejado. Minha mãe teve um câncer e tive que voltar às pressas para o Brasil. Em quinze dias relâmpagos ela veio a falecer. Foi emocionante: Bruno conseguiu vir para o Brasil com a mulher e o filho, Hunter, com 3 dias de vida apenas. A última coisa que a nossa mãe viu em vida foi seu primeiro neto. Missão cumprida! Fiquei com a sensação de que a morte dela me trouxe de volta à vida, essa de músico, artista que escolhi. Difícil dizer precisamente, mas talvez se ela não tivesse ficado doente, eu não teria voltado para o Brasil e até hoje, estaria pelas praias do Havaí, sabe lá! Perdi minha mãe, mas encontrei o caminho que acredito ser o meu. Se eu pudesse escolher, ficaria com a mãe, claro. Minha vida acabaria se construindo de outra maneira, vai saber!
Bola pra frente! A banda recomeçou a toda vapor. Shows em faculdades, casas noturnas, aberturas para artistas internacionais como The wailers, Pato Banton, Maxi Priest e Yellow Man, até que gravamos nosso primeiro disco, “Porque não Paz?” (1997) com um repertorio todo próprio. A música “Oh Chuva”, teve a participação do Geraldo Azevedo e virou um hit no segmento jovem, reggae. Depois do lançamento independente, em 1999 o CD saiu pela Sony Music. Em 2001, veio o segundo disco. Depois de três anos sem gravar e com vontade de fazer algo novo, veio o CD “Já é!”. Um disco que pulou um pouco a cerca do reggae e afirmou a nossa vontade de fazer um som que fosse além do gênero. Lançamos no Canecão e seguimos em turnê novamente.

Em 2004, a banda se desfez e eu gravei o meu primeiro disco solo “Rapa da Panela”. Ele foi quase todo gravado no Cascudaria, estúdio que tinha em casa. Me acompanharam nessa empreitada, os músicos João Vianna, Zé Nogueira, Paulo Calazans, Donatinho, Diogo Gamêro, Felipe Cambraia, Kiko Horta, João Hermeto e vários outros. Nas canções parceiros de vida e música como Gabriel Moura, Baia, Fuzuê, Cláudio Henrique e Miguel Jost. O título é inspirado na poesia que minha mãe escreveu pra mim, seu filho caçula: “é aquele restinho mais gostoso que fundo panela e todos querem lamber, tirar um tasco. Chega a dar briga a tal rapa da panela. Ela é pouco, é única e tem o gosto todo próprio, melhor que o próprio doce. E porque é a rapa da panela, tem o gosto só dela. Nada se compara a rapa da panela que é você. Dizem também que o caçula é a mais aperfeiçoada fórmula e como tal, as vezes deixado de lado, mas como um ser privilegiado, não fica a espera, parte pra ação, busca o movimento e transa a sua emoção”.

Um dia em casa a campainha toca, era a atriz Heloísa Périssé. Vizinha de porta, perguntou se eu faria um teste para substituir o músico/ator de “Cócegas”, peça em que atuava ao lado da parceira Ingrid Guimarães. Na primeira oportunidade fui assistir ao espetáculo. Heloisa estava deixando os diretores de cabelo em pé. Depois de várias tentativas com outros candidatos, ela surgiu com o papo: “eu tenho um vizinho que é o cara”. Todos davam risada. E não é que era mesmo?! A peça está há nove anos em cartaz, cinco comigo, e se apresentou nas capitais, no interior do país e ainda em Portugal (Lisboa). É um trabalho por qual tenho muito carinho. Posso dizer que por causa dela, hoje, tenho interesse e gosto pelo o Teatro. No momento estudo Artes Cênicas na Puc, o que tem sido enriquecedor para mim como artista e ser humano.
De todas as minhas viagens a trabalho, a mais inusitada foi para o Líbano. Era ano de copa do mundo, 2006, e fui com um grupo de meninas que tinha um show típico brasileiro. Eu fazia um pouco de tudo : jogava capoeira, tocava pandeiro e violão, sambava e cantava. O cachê não era lá essas coisas, sabia que conhecer Beirute e as cidades vizinhas seria a melhor parte. Experiência inesquecível! Na minha volta ao Brasil, abri a passagem e desembarquei em Amsterdan para um passeio. Acessei a internet na primeira oportunidade e li: “aeroporto de Beirut é bombardeado e fecha”. Minha caixa de e-mails estava bombando também, só que com mensagens de amigos e parentes. Respondi e os tranquilizei. Escapei por pouco! Estava na ocasião com uma inflamação no dedo (coisas que acontecem em viagem) que me impossibilitou de pegar no violão. Liguei para o meu pai, triste, falei a respeito disso e ele: “porra, você escapou da guerra por um dia e está chorando por causa do dedo?!”

Muda. É esse o nome do meu novo CD, lançado em junho de 2009. De todos os meus discos até aqui, considero esse o de sonoridade pungente. O violão, onde muitas das composições nasceram, ditou os andamentos e levadas dentro do estúdio. Na ausência do contra-baixo, a guitarra barítono do Waltinho teve função harmônica e desempenhou bem o papel dos graves junto aos surdos, alfaias e tablas da percussão de Siri, que ainda trouxe efeitos sonoros tirados da água com uso de panelas e escorredores. Sacha, o mais novo amigo, com o teclado e suas texturas, deu um leve tom eletrônico e aveludou os elementos como um todo. Meus parceiros novos, André Gardel e Gabriel Pondé, e os mais das antigas, Baia e João Suplicy, somaram muito no trabalho. Também é fundamental mencionar Carlos Trilha, Fernando Morello e Vidaut, técnicos responsáveis pelas gravações e mixes. Debinha na arte, de foto sobre foto, me presenteou com o seu talento. Agora, é pé na estrada, curtir o processo. Muda, quatro letras e três significados que juntos, formam uma idéia: silêncio, reflexão; que gera o “muda” de mudança, de transformação; chegando à “muda” da planta, uma nova vida.